A mãe, o arrimo, a defesa, o provimento imediato da família.
O pai, os ombros escalavrados, o salário atrasado, um trabalhador na colheita de cana.
O pedaço de joia, a esperança, no fundo da gaveta. A redenção?
Assim é o conto O cacho de ouro, do livro O inseto friorento e o vento feral. Um trecho:
Nossa mãe tinha uma joia. Na verdade um pedaço de joia. Era um cacho de uva, pingente de uma corrente que ela nem chegou a conhecer, perdida no passado familiar, nossa mãe nem sabia dizer se há pouco ou muito tempo. Tinha recebido da avó dela, saltando a mãe, a guarda da joia incompleta. Para todos nós, aquele cacho sem uma das uvas representava talvez a salvação da pobreza crônica, talvez a lembrança do passado glorioso que gostávamos de imaginar que nossos parentes pudessem ter tido um dia. Não éramos uns nadas na vida. Tínhamos tido um nobre berço remoto, e a qualquer momento o status podia ser resgatado, bastando usar a joia. A joia abriria cofres e portas, a joia guardada nos faria ser reconhecidos como os que tínhamos o direito de ser considerados no meio daquela gente pernóstica que não nos conhecia. Embora não fosse usada nem ninguém cogitasse disso, estava à mão. Muitas vezes o cacho era trazido à roda de conversa na sala e até no terreiro concorrido das noites de lua. Ele vinha enrolado num lenço branquíssimo bordado em uma das pontas com o óbvio desenho de uma parreira carregada. Nossa mãe só abria o embrulhinho quando estivesse sentada em posição estratégica, de forma que o ritual de abrir o pano fosse acompanhado por todos nós. Cuidava para que nosso pai não estivesse presente nessa hora de demonstração da ascendência com que ela tinha chegado ao casamento. A mãe não queria diminuir o pai em nossa frente.
São 25 histórias interligadas por palavras e temas comuns. É um romance em contos dentro da mais genuína tradição do realismo mágico latino-americano, atualizado, modernizado, com histórias que se passam nos mais variados brasis dos nossos tempos.
Clique aqui e adquira seu exemplar.